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Capa da partitura da ópera O Guaranide Carlos Gomes.
A música do Brasil é uma das
expressões mais importantes da cultura brasileira. Formou-se, principalmente,
a partir da fusão de elementos europeus, indígenas e africanos,
trazidos por colonizadores portugueses e
pelos escravos.
Até o século
XIX, Portugal foi a principal porta de entrada para a maior parte das
influências que construíram a música brasileira,
tanto a erudita como a popular, introduzindo a maioria do instrumental, o sistema harmônico, a literatura musical e boa parcela
das formas musicais cultivadas no país ao longo dos séculos, ainda que diversos
destes elementos não fossem de origem portuguesa, mas genericamente europeia. A
maior contribuição do elemento africano foi a diversidade rítmica e
algumas danças e
instrumentos — a exemplo do maracatu —, que tiveram um papel maior no
desenvolvimento da música popular e folclórica. O indígena praticamente não
deixou traços seus na corrente principal, salvo em alguns gêneros folclóricos de
ocorrência regional.
A partir de
meados do século XVIII se intensificou o intercâmbio cultural com outros países
além da metrópole portuguesa, provocando uma diversificação, como foi o caso da
introdução da ópera italiana e francesa,
das danças como a zarzuela, o bolero e habanerade
origem espanhola,
e das valsas e polcas germânicas,
que se tornaram vastamente apreciadas. Com a crescente influência de elementos
melódicos e rítmicos africanos, a partir de fins do século XVIII a música
popular começou a adquirir uma sonoridade caracteristicamente brasileira, que
se consolida na passagem do século XIX para o século XX principalmente através
da difusão do lundu,
do frevo,
do choro e
do samba.
No século XX
verificou-se um extraordinário florescimento tanto no campo erudito como no
popular, influenciado por uma rápida internacionalização da cultura e pelo
desenvolvimento de um contexto interno mais rico e propício ao cultivo das
artes. É o período em que a música nacional ganha também em autonomia e
identidade própria, embora nunca cessasse — e de fato crescesse — a entrada de
novas referências estrangeiras. A produção de Villa Lobos é
o primeiro grande marco do brasilianismo musical erudito, mais tarde
desenvolvido por muitos outros compositores, e combatido por outros, que adotam
estéticas como o dodecafonismo e mais tarde a música concreta e a música eletrônica. No mesmo período a música
popular ganha o respeito das elites e consolida gêneros que se tornaram marcas
registradas do Brasil, como o samba e a bossa nova,
ao mesmo tempo em que o rock e o jazz norte-americanos são recebidos no país com grande
sucesso, adquirem feições próprias e conquistam legiões de fãs. Gêneros
regionais de origem folclórica como a música sertaneja, o baião,
o forró e
vários outros também ganham força e são ouvidos em todo o território nacional.
Esse
crescimento exponencial em quantidade e qualidade da atividade musical ao longo
do século XX, que inclui o surgimento de inúmeras escolas básicas e academias
superiores, gravadoras, fábricas de instrumentos, orquestras sinfônicas e
conjuntos diversificados, emissoras de rádio e televisão, editoras de partituras,
festivais e outras vias de produção e divulgação, tornou a música brasileira
conhecida e apreciada internacionalmente, sendo objeto também de intenso estudo
especializado no Brasil e no estrangeiro.
Primórdios
Francisco da Silva Romão: Santa Cecília, padroeira dos
músicos. Museu de Arte da Bahia.
O que se
conhece dos primeiros tempos da música erudita no Brasil é muito pouco. Não se
pode pintar um panorama da música nacional durante os dois primeiros séculos de
colonização sem sermos obrigados a deixar amplos espaços em branco. Os
primeiros registros de atividade musical consistente provêm da presença dos
padres jesuítas,
estabelecidos aqui desde 1549. Dez anos depois já haviam fundado aldeamentos
para os índios (as chamadas reduções)
com alguma estrutura educativa musical. Nestes tempos de desbravamento e
fundação de uma nova civilização, as cidades eram poucas e mesmo as mais
importantes não passavam de pequenos povoados. É testemunha da importância
atribuída à música a contratação, já em 1553, de Francisco de Vaccas como
mestre-de-capela da Catedral de Salvador, o que também indica
a existência de uma estrutura mínima para uma prática musical estável apenas
quatro anos após a fundação da cidade.
Um século
mais tarde as reduções do sul do Brasil, fundadas por jesuítas espanhóis,
conheceriam um florescimento cultural vigoroso e exuberante, onde funcionaram
verdadeiros conservatórios musicais, e relatos de
época atestam a fascinação do índio pela música da Europa e sua competente
participação tanto na construção de instrumentos como na prática instrumental e
vocal. Os padrões de estilo e interpretação eram naturalmente todos da cultura
da Europa, e o objetivo desta musicalização do gentio era
acima de tudo catequético, com escassa ou nula contribuição criativa
original de sua parte. Com o passar dos anos os índios remanescentes dos
massacres e epidemias foram se retirando para regiões mais remotas do Brasil,
fugindo do contato com o branco, e sua participação na vida musical nacional
foi decrescendo até quase desaparecer por completo.
Expansão
O mesmo caso
de dominação cultural ocorreu no caso do negro, considerados uma raça inferior,
cuja cultura era desprezível demais para ser levada a sério pela cultura
oficial. Mas seu destino seria diferente do do índio. Logo sua musicalidade foi
notada pelo colonizador, e sendo uma etnia mais prontamente integrável à
cultura dominante do que os arredios índios, negros e mulatos passaram
a ser educados musicalmente — dentro dos padrões portugueses, naturalmente —
formando orquestras e bandas que eram muito louvadas pela
qualidade de seu desempenho. Sua participação foi decisiva para a
consolidação da música brasileira. Segundo André Cardoso, a maciça maioria dos
músicos profissionais em atividade no Brasil colonial eram mulatos forros, não
apenas no campo da execução, mas eram responsáveis na mesma medida também pela
atividade compositiva. Na ausência de um sistema de mecenatoprivado
e com raras igrejas mantendo grupos estáveis, sua sobrevivência era assegurada
pelo ingresso em irmandades musicais, que funcionavam como sindicatos e
entidades de mútuo socorro, e, mais do que isso, monopolizavam a contratação de
obras e espetáculos musicais encomendados pelas Câmaras municipais e a maior
parte da música de Igreja. Essas irmandades construíram muitas igrejas para seu
uso privado, onde havia uma estrutura musical permanente. Mas a
contribuição autenticamente negra à música brasileira, em termos de composição,
teria de esperar até o século XX para poder se manifestar em toda sua riqueza.
Enquanto que
até o início do século XVIII a maior parte da música erudita era praticada na
Bahia e Pernambuco, música da qual nada se conhece senão relatos literários e
iconografia, já que todas as partituras foram
perdidas, em seguida já vemos uma atividade musical se disseminar em todas
as partes do país dotadas de alguma estrutura mais ou menos estabilizada,
formando-se um público apreciador em todas as classes sociais, com novos
centros no Rio de Janeiro, São Paulo, Pará e Maranhão. As pequenas orquestras
privadas se multiplicam, as irmandades atuam intensamente, as igrejas
apresentam rica variedade de música, as corporações militares possuem suas bandas
estáveis e a ópera de matriz napolitana torna-se
verdadeira mania. Salas de concerto e teatros aparecem em diversas cidades,
especialmente em Salvador, São Paulo, Recife e
no Rio de Janeiro - algumas bastante
luxuosas. São de lembrar, na primeira metade do século, os nomes de Luís Álvares Pinto, mestre de
capela da Igreja de São Pedro dos Clérigos em
Recife, do padre Caetano de Mello de Jesus, compositor e
insigne teórico na Bahia, e Antônio José da Silva, o Judeu, que fez sucesso em Lisboa como
autor de libretos mordazes,
escritos para comédias de costumes que seriam muito encenadas também no Brasil
até o Império, e cuja parte musical era do compositor Antônio Teixeira.
A Escola
Mineira
Partitura autógrafa da antífonaSalve Regina de Lobo de Mesquita
Detalhe de pintura de Mestre Ataíde mostrando
anjos músicos. A iconografia fornece informações sobre o instrumental utilizado
na época.
Na segunda
metade do século XVIII um grande florescimento musical aconteceu na Capitania
das Minas Gerais, especialmente na região de Ouro Preto, Mariana e Diamantina,
onde a extração de grandes quantidades de ouro e diamantes destinados à
metrópole portuguesa atraiu uma população considerável que deu origem a uma
próspera urbanização. Ali a vida musical, tanto pública como privada, religiosa
ou secular, foi muito privilegiada, registrando-se a importação de
grandes órgãos para as igrejas e de
partituras europeias pouco tempo após sua publicação em seus países originais.
Neste período surgiram as mais antigas orquestras do Brasil ainda em atividade,
a Lira Sanjoanense e a Orquestra Ribeiro Bastos, e os primeiros
compositores importantes naturais da terra, muitos deles mulatos. Dignos de
nota foram José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, talvez o
mais importante deste grupo, Manoel Dias de Oliveira, Francisco Gomes da Rocha, Marcos Coelho Neto (pai) e Marcos Coelho Neto (filho), todos muito
ativos. Trazem obras suas algumas das mais antigas partituras escritas no
Brasil a chegarem até os nossos dias, ainda que a maior parte de sua produção
também tenha se perdido. Mas dentre o que restou são exemplos notáveis um Magnificat de Manuel Dias de
Oliveira e a célebre Antífona de
Nossa Senhora, de Lobo de Mesquita. Impressionam as estatísticas da
época do apogeu mineiro: em Diamantina existiriam dez regentes em atividade, o
que implicaria um corpo de músicos profissionais de pelo menos 120 pessoas; em
Ouro Preto teriam atuado cerca de 250 músicos, e mais de mil em toda a
Capitania, sem contar os diletantes, que deveriam compor uma legião adicional,
uma quantidade maior do que a que existia na metrópole portuguesa na mesma
época, como informou Vasco Mariz.
Graças a esta opulência, e à sua consistência
e uniformidade estética, justifica-se a denominação do grupo de compositores
ativos na região como a "Escola Mineira".
Muito já foi publicado sobre ela descrevendo-a como uma escola barroca, já que
comparativamente o estilo Barroco ainda sobrevivia forte nas artes visuais
brasileiras, mas atualmente se considera a Escola como fruto da rápida penetração
da influência neoclássica, derivada especialmente de Haydn, Mozart, Pleyel, Boccherini e
outros, cujas obras circulavam impressas e eram avidamente procuradas e
copiadas, e só raramente se percebem ecos da estética que antes prevalecera.
Até há pouco tempo em grande parte desconhecido, este acervo de música
colonial, quase em totalidade no gênero sacro, vêm recebendo mais atenção no
Brasil e também no exterior, especialmente após as pesquisas realizadas
por Francisco
Curt Lange nos anos 40, e hoje está sendo mais amplamente
estudado e divulgado.
Com o
esgotamento das minas no fim do século o foco da atividade musical se
deslocaria para outros pontos, especialmente o Rio de Janeiro e São Paulo.
Nesta, merece menção André da Silva Gomes, de origem
portuguesa, Mestre de Capela da Catedral, deixando bom número de obras e
dinamizando a vida musical da cidade.
O
Classicismo
Padre José Maurício Nunes Garcia.
Fator
crucial para a transformação da vida musical e dos parâmetros estéticos
brasileiros seria a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808. Até
então o Rio não se distinguia em nada de outros centros culturais do país,
sendo mesmo inferior a Minas e aos centros nordestinos, mas a presença da corte
alterou radicalmente a situação, concentrando todas as atenções e servindo como
grande estímulo a um outro florescimento artístico, já de molde claramente
classicista. Dom João VI havia trazido consigo a vasta
biblioteca musical dos Bragança - uma das melhores da Europa na
época - e rapidamente mandou vir músicos de Lisboa e castrati da
Itália, reorganizando a Capela Real agora com cerca de 50 cantores
e uma centena de instrumentistas, e mandou construir um suntuoso teatro,
chamado de Real Teatro de São João. A música profana
contou com a presença de Marcos
Portugal, nomeado Compositor da Corte e Mestre de Música dos
Infantes, e de Sigismund von Neukomm, que contribuíram
com apreciável quantidade de obras próprias e também para divulgar na capital o
trabalho de importantes autores europeus, como Mozart e Haydn.
Neste
ambiente atuou o primeiro grande compositor brasileiro, o padre José Maurício Nunes Garcia. Homem de
grande cultura para sua origem - era mulato e pobre - foi um dos fundadores da
Irmandade de Santa Cecília no Rio, professor de muitos alunos, Pregador Régio e
Mestre da Capela Real da Sé
durante a estada de Dom João VI no Brasil. Deixou extensa obra de alta
qualidade, onde se destacam a Missa
Pastoril, a Missa de Santa
Cecília, o Officium de
1816, e as intensamente expressivas Matinas
de Finados, para coro a
capella, além de alguma música instrumental e obras teóricas. São
interessantes neste período também as figuras de Gabriel Fernandes da Trindade, compositor
de modinhas e
das únicas peças camerísticas remanescentes do início do
século XIX, um conjunto de refinados Duos Concertantes para violinos, Damião Barbosa de Araújo, que segundo
Vasco Mariz foi na Bahia o que o padre Maurício representou no Rio, e João de Deus de Castro Lobo, que atuou nas
já decadentes Mariana e Ouro Preto, mas deixando obra de grande qualidade.
Este período de brilho não duraria muito. Em
1821 o rei foi obrigado a retornar a Lisboa, levando consigo a corte, e a vida
cultural no Rio esvaziou-se de súbito. Apesar do entusiasmo de Dom Pedro I pela
música, sendo ele mesmo autor de algumas peças e da música do Hino da Independência, a difícil
situação financeira gerada pela independência não permitia muitos luxos. O
incêndio do Teatro de São João em 1824 foi outro golpe, apesar de ter sido
restaurado e reinaugurado sob o nome de Teatro de São Pedro de Alcântara e
continuar com suas récitas operísticas. Com a abdicação de Dom Pedro em 1831 e
a consequente instabilidade política e social durante a menoridade de seu
sucessor, o cenário se estreitou ainda mais e foi dissolvida a Capela Imperial,
permanecendo um punhado de músicos. Padre José Maurício: Moteto Domine Jesu
Romantismo
Carlos Gomes.
A figura
central nestes tempos difíceis foi Francisco Manuel da Silva, discípulo do
Padre José Maurício e sucessor de seu mestre na Capela. Apesar de ser
compositor de escassos recursos, merece crédito por sua importante atividade
organizadora, fundando o Conservatório de Música do Rio de Janeiro e sendo o
regente do Teatro Lírico Fluminense e depois da Ópera Nacional. Também foi o
autor do Hino Nacional Brasileiro. Sua obra
refletiu a transição do gosto musical para o Romantismo,
quando o interesse dos compositores nacionais recaiu principalmente sobre a
ópera. Neste campo a maior figura foi sem dúvida Antônio Carlos Gomes, que compôs óperas
com temas nacionalistas mas com estética europeia, tais como Il Guarany e Lo Schiavo,
que conquistaram sucesso em teatros europeus exigentes como o La Scala,
em Milão.
O bel canto estava
em seu auge na Europa, e era apreciadíssimo no Brasil, especialmente na
capital, mas também em Recife, São Paulo e Salvador. Há registro de inúmeras
representações de obras de Rossini, Bellini, Donizetti e
mesmo Verdi, além de compositores franceses como Meyerbeer, Adam e Hérold. Em 1857 foi criada a
Ópera Nacional, sob inspiração de José Amat, e logo a iniciativa foi
respaldada pelo governo. De início dedicada a apresentação de zarzuelas e
óperas cômicas, logo passou a incorporar ao repertório obras sérias brasileiras
de José Ferreira, Elias Álvares Lobo e Carlos Gomes, e
algumas óperas estrangeiras foram encenadas no vernáculo.
A voga da ópera perduraria até meados do século XX e seria o motivo para a
construção de uma série de teatros importantes, como o Amazonas de Manaus,
o Municipal do Rio,
o São Pedro em Porto Alegre,
o da Paz em Belém e diversos outros, todos de
proporções majestosas e decorados com requintes de luxo.
Apesar da
primazia da ópera a música instrumental também era praticada, sendo o piano o instrumento
privilegiado. Alguns pianistas importantes realizaram recitais aqui, como Sigismond Thalberg em 1855, e Gottschalk fez furor com sua Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional
Brasileiro. Nesta época algumas associações privadas se organizaram para
realização de recitais e concertos destinados a sócios em São Paulo, onde Alexandre
Levy criou o Clube Haydn, e no Rio, onde o Clube Mozart,
fundado em 1867,
e o Clube Beethoven, de 1882, realizaram centenas de concertos.
Entre os
meados do século XIX e o início do século XX tiveram um papel importante
através de sua produção com características progressistas Leopoldo
Miguez, seguidor da escola wagneriana, Glauco Velásquez, de curta e brilhante
aparição, e Henrique Oswald, que empregava elementos
do impressionismo musical francês.
Nacionalismo
Villa Lobos.
Após Carlos
Gomes passou-se a prestar mais atenção ao que poderia constituir uma música
autenticamente brasileira. Neste sentido o rico folclore nacional
foi a peça-chave, e compositores utilizaram seus temas para elaborações
eruditas, embora ainda seguidoras em linhas gerais de escolas
estrangeiras. Brasílio Itiberê da Cunha também foi
um dos precursores desta corrente, com sua rapsódia A Sertaneja, para piano, escrita
entre 1866 e 1869. Outros nomes importantes são Luciano
Gallet e Alexandre Levy, de escola europeia, mas que uma forma
ou outra buscaram incorporar elementos tipicamente nacionais em sua produção. O
caminho estava aberto, e um sabor definitivamente brasileiro pode ser
encontrado na obra de Antônio Francisco Braga, e especialmente
em Alberto Nepomuceno, a figura dominante do
período, que empregou largamente ritmos e melodias do folclore em uma síntese
inovadora e efetiva com as estruturas formais de matriz europeia. A atuação de
Nepomuceno também foi importante por ter ele sido presidente da primeira
associação brasileira dedicada a concertos sinfônicos públicos.
Um momento
importante foi a realização da Semana de Arte Moderna de 1922.
Apesar de ter incluído relativamente pouca música em sua programação, o
movimento teria impacto na reformulação dos conceitos sobre a arte nacional.
Naquela ocasião se apresentou Heitor Villa Lobos, que viria a ser a figura
maior do nacionalismo musical brasileiro. Ao
lado de outros modernistas da literatura e das artes plásticas, como Mário de Andrade e Di Cavalcanti,
que na época entendiam, assim como a geração anterior, o folclore como a base
de uma música legitimamente nacional, Villa Lobos empreendeu aprofundadas
pesquisas sobre o folclore musical brasileiro, que incorporou largamente em sua
produção, e era dono de uma inspiração enérgica e apaixonada. Soube fazer seus
elementos nacionais e estrangeiros, eruditos e populares, criando um estilo
próprio de grande força e poder evocativo, em uma produção caudalosa que
empregava desde instrumentos solo, onde o violão teve
um papel de destaque, até grandes recursos orquestrais em seus poemas sinfônicos, concertos, sinfonias,
bailados, e óperas, passando pelos múltiplos gêneros da música de câmara vocal e instrumental.
Villa Lobos também desempenhou um papel decisivo na vida musical do país em
virtude de sua associação com o governo, conseguindo introduzir o ensino
do canto orfeônico em todas as escolas de
nível médio. Das suas obras são notáveis a série dos Choros, das Bachianas Brasileiras, as suítes
intituladas A Prole do Bebê,
o Rudepoema, os
bailados Uirapuru e Amazonas, e o Noneto.
Outros compositores de gabarito também
abordaram em maior ou menor grau o nacionalismo, como Oscar Lorenzo Fernández, Francisco
Mignone, Camargo
Guarnieri, Luís Cosme, Osvaldo
Lacerda e José de Lima Siqueira, e traços desta
tendência podem ser encontrados até a contemporaneidade. A grande adesão de
músicos respeitados deu uma força irresistível à renovação do cenário musical
brasileiro, e o violento combate entre os acadêmicos e os modernistas que
dominou as artes visuais da primeira metade do século se repetiu na música,
enfrentando grande resistência dos setores conservadores, renovando os
conceitos sobre arte erudita e arte popular e abrindo um frutífero diálogo
entre ambas. O movimento brasileiro acompanhava uma tendência internacional,
que teve grande impacto nas Américas e na Europa oriental. Ao mesmo tempo, as
bases do sistema tonal, que prevalecera desde o barroco,
começavam a ser fortemente abaladas com a introdução de outros sistemas, como
o serialismo e
o dodecafonismo de Schoenberg,
enquanto que novas pesquisas apareciam no campo da instrumentação, do ritmo e das formas
musicais.
Vanguardas
modernistas e sínteses contemporâneas
A despeito
de seus avanços em relação à eclética estética da belle époque, a escola nacionalista foi
identificada por parte dos músicos como servil à política centralizadora
de Getúlio Vargas. Em 1939 foi criado o Movimento Música Viva, liderado pelo
compositor, professor e musicólogo Hans Joachim Koellreutter, e por Egídio de Castro e Silva,
advogando a adoção de uma estética internacionalizante derivada do
dodecafonismo. Faziam parte deste grupo Claudio
Santoro, César Guerra Peixe, Eunice
Catunda e Edino Krieger.
O movimento tinha conotações políticas e alguns de seus membros militavam na
esquerda ou tinham ligações com ela.
Koellreutter adotava métodos revolucionários
de ensino, respeitando a individualidade do aluno e estimulando a livre criação
antes mesmo do conhecimento aprofundado das regras tradicionais de composição (harmonia, contraponto e fuga). O Movimento editou
uma revista e apresentava uma série de programas radiofônicos divulgando seus
princípios e obras de música contemporânea. Em 1946 foi publicado um Manifesto, expressando sua negação
do academismo e
do formalismo,
e sua defesa de uma música exercida conscientemente e com compromisso social, e
que refletisse a sociedade e pensamento contemporâneos, mas flexibilizando suas
posturas em direção a uma recuperação de elementos diatônicos e populares ainda
considerados capazes de veicular a verdade musical da sua época. O movimento
encontrou continuidade, embora numa interpretação peculiar, em um núcleo
formado em torno da Universidade Federal da Bahia, com Ernst Widmer e Lindembergue Cardoso, dentre outros.
Mais adiante
Guerra Peixe e Santoro seguiriam um caminho independente e centrado em
regionalismos, influenciando a música popular brasileira instrumental. Outros
autores, em busca de um pluralismo idiomático, que fizeram uma utilização livre
de materiais tradicionais ou progressistas, folclóricos ou tonais, foram Marlos Nobre, Almeida Prado, e Armando Albuquerque, criadores de estilos muito
característicos.
Nos anos 60
um novo impulso criativo apareceu com o movimento Música Nova, liderado por Gilberto
Mendes e Willy Corrêa de Oliveira, fundado em 1963
buscando sintetizar o serialismo com as pesquisas mais recentes sobre microtonalidade, processos
eletroacústicos e a música concreta, empregando novos recursos
notacionais e reavaliando conceitos da semiótica musical,
com grande influência sobre a música para teatro. A paradigmática peça Beba Coca-Cola, de Gilberto Mendes
sobre texto de Décio Pignatari, causou sensação em sua estreia
em 1968 e inaugurou uma tendência multimedia e performática no
panorama musical brasileiro.
Atualmente todas as correntes contemporâneas
encontram representantes brasileiros, e a música erudita no país segue a
tendência mundial de usar livremente tanto elementos experimentais quanto
consagrados. Um dado importante foi a introdução da música eletrônica. Destacam-se entre os novos
compositores Rubens Ricciardi, José Alberto Kaplan, Conrado Silva, Walter Smetak, Flo Menezes, Rodrigo Cicchelli Veloso, Tim Rescala, Lívio Tragtemberg, Harry Crowl, Celso Mojola, João Guilherme Ripper,
Arthur Kampela e Tato Taborda, entre outros.[24][26] Da
nova geração de compositores clássicos contemporâneos, destacam-se nomes como
Valéria Bonafé, Tatiana Catanzaro, Michelle Agnes, Marcílio Onofre, André
Mehmari, Thiago Cury, Arthur Rinaldi, Felipe Lara, Rodrigo Lima, Matheus
Bitondi e Leonardo Martinelli.
Concerto da OSPA no Salão de Atos da UFRGS, 2009
Em termos de
ensino musical e grupos de interpretação o Brasil encontra-se em posição
relativamente boa, dada sua história de poucos séculos, embora não se possa
comparar aos países mais desenvolvidos do mundo ocidental. A música erudita
ainda recebe escasso apoio oficial, a despeito do crescente número de escolas e
de novos músicos ali formados, e do público apreciador. Diversas capitais
estaduais e outras tantas cidades do interior dispõem de pelo menos uma orquestra sinfônica estável e uma escola
superior de música, mas grupos de nível realmente internacional ainda são
poucos, podendo-se citar a Orquestra Sinfônica da USP (OSUSP),
a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB),
a Orquestra Sinfônica do Estado de São
Paulo (OSESP), Orquestra Sinfônica do Paraná e
a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA),
além de poucas outras mantidas por grandes empresas como a Orquestra Petrobras Sinfônica. Existem
também orquestras profissionais públicas, como é o caso da Orquestra
Sinfônica Nacional da Universidade Federal Fluminense, criada
por Juscelino Kubitschek com o intuito de
divulgar especialmente a música brasileira de concerto. Grupos de câmara são
mais numerosos e qualificados, e intérpretes solo já contam-se em milhares,
muitos deles de carreira consolidada fora do país. Existem temporadas regulares
de ópera em São Paulo e Rio de Janeiro; eventos como o Festival de Inverno de Campos do
Jordãotornam-se uma referência nacional, e maestros como Roberto
Minczuk, John Neschling, Eleazar de Carvalho e Isaac Karabtchevsky são respeitados
internacionalmente. Dentre os instrumentistas, são nomes notórios Fernando
Lopes, Roberto Szidon, Antonio
Meneses, Cussy de
Almeida, Gilberto
Tinetti, Arnaldo Cohen e Nelson Freire,
além das veneradas Eudóxia de Barros, Yara Bernette, Guiomar
Novais e Magdalena Tagliaferro, das primeiras a
conquistarem o público estrangeiro. Dos cantores tivemos Zola Amaro, Constantina Araújo, Bidu Sayão.
Hoje são destacados Eliane Coelho, Kismara
Pessatti, Maria Lúcia Godoy, Sebastião Teixeira entre muitos outros.
Música popular urbana
O lundu praticado no século XIX, em gravura
de Rugendas.
A música
popular brasileira é resultado da confluência cultural de três etnias: o índio,
o branco e o negro, dos quais herdamos todo o instrumental, o sistema
harmônico, os cantos e as danças. Como manifestação cultural expressiva,
ela surgiu no início do século XIX,
nos principais centros do então Brasil
Colônia, notadamente Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, entoada por pessoas
que cantavam modinhas e lundus ao violão, ao
piano ou acompanhadas por bandas instrumentais. Os dois principais gêneros
musicais urbanos nos tempos do Império e do início da República eram o lundu e a
modinha, apreciados tanto em saraus literário-musicais da elite da época e quanto
nas ruas, tabernas e lares mais simples. Sozinhos ou em grupo, instrumentistas
ao violão saíam à noite pelas ruas e residências entoando músicas românticas e
cristalizando, ao final do século XIX,
a tradição da seresta.
Joaquim Calado.
Chiquinha Gonzaga.
Originalmente
uma dança africana que chegou ao Brasil, via Portugal,
ou diretamente, com os escravos vindos de Angola,
o lundu tinha uma natureza sensual e humorística que foi censurada na
metrópole, mas no Brasil recuperou este caráter, apesar de ter incorporado
algum polimento formal e instrumentos como o bandolim.
Mais tarde o lundu, que de início não era cantado, evoluiu assumindo um caráter
de canção urbana e se tornando popular como dança de salão. Outra dança
muito antiga é o cateretê, de origem indígena e influenciada mais tarde pelos
escravos africanos.
Já a modinha
tem origem possivelmente portuguesa a partir de elementos da ópera italiana,
foi citada pela primeira vez na literatura por Nicolau Tolentino de Almeida em 1779, embora seja ainda
mais antiga. Domingos Caldas Barbosa foi um de
seus primeiros grandes expoentes, publicando uma série que foi extremamente
popular na época. A modinha é em linhas gerais uma canção de caráter
sentimental de feição bastante simplificada, muitas vezes de estrutura
estrófica e acompanhamento reduzido a uma simples viola ou guitarra,
sendo de apelo direto às pessoas comuns. Mesmo assim era uma presença constante
nos saraus dos
aristocratas, e podia ser mais elaborada e acompanhada por flautas e
outros instrumentos e ter textos de poetas importantes como Tomás Antônio Gonzaga, cujo Marília de Dirceu foi musicado
uma infinidade de vezes. A modinha era tão apreciada que também músicos da
corte criaram algumas peças no gênero, como Marcos Portugal, autor de uma série
com letras extraídas da Marília
de Dirceu, e o Padre José Maurício, autor da célebre Beijo a mão que me condena.
Durante o
período colonial e o Primeiro Império também as valsas, polcas, schotischs e tangos de diversas
origens estrangeiras encontraram no Brasil uma forma de expressão peculiar e
que, junto com a herança da modinha, viriam a ser a origem do choro, um gênero que
recebeu este nome em virtude de seu caráter plangente. Surgiu em torno de 1880
e logo adquiriu uma feição própria, onde o improviso tinha um papel principal e
estabilizando-se na formação para uma flauta, um cavaquinho e
um violão,
e mais tarde ampliando seu instrumental. Seus maiores representantes
foram Joaquim Antônio da Silva Calado, Anacleto de Medeiros, Chiquinha
Gonzaga, Ernesto
Nazareth e Pixinguinha.
Primeira
metade do século XX
Carmen Miranda.
Tom Jobim.
Inspirado no
modelo das operetas,
o Teatro de Revista teve seu início no
Brasil em meados do século XIX com a apresentação em 1859 da peça As Surpresas do Sr. José da Piedade,
de Justiniano de
Figueiredo Novaes. O gênero caiu no agrado das massas e se
caracterizava por ser uma crítica satírica aos costumes. Os números
apresentados eram em geral canções populares ou paródias de obras célebres,
acompanhadas por uma orquestra de câmara. Nos anos 30 atingiu
seu auge, com encenações luxuosas que apresentavam as suas estrelas, as vedetes, com trajes sumários, o que
deu origem à derivação do Teatro Rebolado. As
companhias mais famosas foram as de Walter Pinto e Carlos Machado, revelando talentos
como Carmen Miranda, Wilza Carla, Dercy Gonçalves e Elvira Pagã,
que fizeram imenso sucesso. Também no fim dos anos 30 iniciou no Brasil a
chamada Era do Rádio,
acompanhando um maciço crescimento no número de compositores e no público
consumidor, formando um enorme mercado potencial. Como o processo de gravação
de discos ainda era primitivo, com resultados de baixa qualidade, o rádio veio
a ser o canal privilegiado para a circulação desta produção nova. Como disse
Tom Tavares, "a deficiência não era no campo da criação. Era na área da
gravação, uma vez que os estúdios existentes não dispunham, ainda, de recursos
técnicos ideais para captação e reprodução sonora. E, se os discos gravados em
78 rotações não ofereciam fidelidade, tampouco os microfones, tampouco os
transmissores e, menos ainda, os raríssimos receptores. [...] E o rádio caiu no
gosto do povo". Este meio de comunicação assumiu um importante papel
de divulgador de música popular até bem dentro da década de 1950, lançando
muitos novos talentos e tendo uma programação diversificada. Várias emissoras
mantinham grandes orquestras e importantes cantores fixos, mas perdeu
rapidamente espaço quando se popularizou a televisão. No rádio alguns
intérpretes conquistaram uma audiência nacional, como Dolores Duran, Dalva de
Oliveira, Cauby Peixoto, Nora Ney, Emilinha
Borba, Marlene, Vicente
Celestino e Ângela Maria.
Destaca-se
na sequência a bossa nova, um movimento basicamente urbano,
originado no fim dos anos 50 em saraus de universitários e músicos da classe
média. De início era apenas uma forma (bossa)
diferente de cantar o samba, mas logo incorporou elementos do Jazze do Impressionismo musical
de Debussy e Ravel,
e desenvolveu um contorno intimista, leve e coloquial, baseado principalmente
na voz solo e no piano ou violão para acompanhamento, ainda que com refinamentos
de harmonia e ritmo. Dentre seus maiores nomes estão o de Nara Leão, Carlos Lyra, João Gilberto, Toquinho, Vinícius de Morais e Tom Jobim. De
acordo com Luiz Carlos Maciel,
"Seu
objetivo era colocar a música popular brasileira na vanguarda musical do
planeta. Contudo, em extensa medida, ela obedecia à tradição. O ritmo básico
continuava a ser o samba, embora enriquecido por recursos mais sofisticados,
como as síncopas criadas por João Gilberto; as
melodias eram líricas e ternas; e, finalmente, as letras ainda tinham como
principal tema os problemas das relações afetivas, as dores do amor, e preservavam
o prazer no sofrimento que caracteriza tradicionalmente as canções românticas.
As novidades, portanto, eram mais formais do que conteudísticas. Mas essas
inovações formais eram importantes e manifestavam um novo espírito, urbano,
culto e mesmo sofisticado. [...] Evidentemente, a música popular brasileira
tradicional já era notável pelo lirismo de sua invenção melódica e,
principalmente, por sua vitalidade rítmica. A proposta fundamental, agora, era
de enriquecê-la com um avanço em termos de harmonia. [...] Mas não foi apenas
no plano estritamente musical que se verificou uma evolução. Ao contrário dos
antigos artistas da música popular brasileira tradicional, vindos das camadas
mais pobres da população brasileira, de instrução modesta e informação escassa,
os novos artistas tinham freqüentemente formação universitária, eram informados
e até cultos. As letras das canções passaram a manifestar uma inédita intenção
literária, fazendo com que muitos desses compositores acabassem sendo
considerados poetas até
mesmo por critérios acadêmicos".
Segunda
metade do século XX
Roberto Carlos
no início dos anos 1970.
Caetano
Veloso.
No entanto,
no início dos anos 60, à medida que o movimento da bossa nova evoluía, o
esteticismo original dava lugar à introdução de temas políticos, tendência
exemplificada em Zé Keti e João do Vale,
fazendo com que ela sofresse uma cisão em duas correntes opostas, abrindo o
campo para a polêmica. A politização da música popular ganharia corpo sob
a ditadura implantada em 1964, aparecendo
o gênero da "canção de protesto", como a famosa "Caminhando", de Geraldo
Vandré. É a época dos grandes festivais musicais na TV, onde surgiu uma
geração universitária de compositores e cantores, entre os quais Chico Buarque e Edu Lobo,
que seria idolatrada pela intelectualidade e classificada sob a sigla MPB
(Música Popular Brasileira). Era um movimento intimamente ligado ao engajamento
político contra a ditadura. O movimento tropicalista,
também caracterizado como uma música de protesto, surgindo na mesma época e nos
mesmos palcos da TV, distinguiu-se por associar numa mistura eclética,
reminiscente do movimento antropofágico, elementos da
cultura pop, como o rock, e da cultura de elite, como as escolas modernista
e concretista das
artes visuais, tendo um caráter mais erudito e experimental. Os baianos Caetano
Veloso e Gilberto Gil foram
os principais expoentes desse movimento. Já o Iê Iê Iê ligava-se
basicamente ao rock produzido nos Estados Unidos, embora no Brasil tenha se
suavizado e adotado uma temática romântica em uma abordagem muitas vezes
ingênua, numa corrente que veio a ser conhecida como Jovem Guarda,
de grande apelo entre as massas, tendo como grandes nomes Roberto
Carlos, Erasmo Carlos, Tim Maia, Wanderléa, José Ricardo, Wanderley
Cardoso e conjuntos como Renato e Seus Blue Caps, Golden Boys e The Fevers.
A transição para a década de 1970 foi marcada pela consolidação da MPB,
"incorporando gêneros os mais variados ao seu repertório, não somente de
outras origens regionais (como o baião nordestino), mas também estrangeiros
(como o reggae jamaicano).
Nesse cenário a Jovem Guarda foi considerada como 'alienada' dos problemas
sociais e políticos do país sob ditadura militar", como referiu Ulhôa, e
logo o movimento perdeu sua força. Nesse contexto se destacam artistas como os
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Gal Costa, Simone, Elis Regina, Rita Lee e Maria
Bethânia.
Waldick
Soriano.
Reginaldo
Rossi.
Na mesma
época surge também um gênero diferenciado de música romântica popular, que
ganharia o epíteto pejorativo de "cafona", depois substituído por
"brega",
com a intenção de desqualificar o gênero, mas logo o nome foi assumido pelos
seus adeptos, tornando-se uma corrente que ganhou um vasto público. Teve como
precursores Orlando Dias, Silvinho, Carlos
Alberto, Cláudio de Barros e Evaldo Braga,
entre outros, mas a fama do gênero se consolidou com Waldick
Soriano, com sua "Eu não Sou Cachorro não", Odair José,
com "Pare de Tomar a Pílula",
e Sidney Magal,
com "Sandra Rosa Madalena".
No início dos anos 80 a música brega se funde a outras correntes e se torna de
difícil caracterização, mas continua de grande apelo para as massas, surgindo
novos sucessos como "Fuscão Preto",
de Atílio Versutti e Jeca Mineiro, e "Garçom", do chamado "Rei do
Brega", Reginaldo Rossi. Com o fim da Jovem
Guarda, Roberto Carlos também se aproximou de um estilo romântico que lhe valeu
a classificação de brega, mas através dele firmou sua posição de cantor mais
popular do país. Depois de ser rejeitado em peso pelas correntes dominantes da
música popular, o brega vem recebendo apreciações positivas como um gênero que
tem legitimidade, espelhando o gosto de expressiva parcela da população. Paulo
César de Araújo, pesquisador do gênero, afirmou que "o brega está mais
forte do que nunca. Assim como o samba, ele agoniza mas não morre. Ele se
transforma. Estamos hoje no tecno-brega, que é dançante e mexe com o corpo. Nos
anos 70 era algo mais romântico, você ouvia mais contemplativo". Adriano
Belisário também atestou o vigor do brega:
"Se
vivo, Euclides da Cunha concordaria: o cantor
brega também é, antes de tudo, um forte. Sobreviventes da pobreza e do trabalho
infantil, estes artistas conviveram com duras críticas a seus trabalhos mesmo
depois de se tornarem celebridades. O enorme sucesso não evitou que fossem
excluídos da historiografia da música brasileira por décadas. [...] Ao contrário
dos artistas da MPB, eles não tiveram formação universitária e não compunham
prioritariamente canções de protesto. O Brasil dos cafonas era outro. Suas
músicas falavam quase sempre sobre a rejeição, seja ela amorosa ou social. Por
conta disso, foram taxados de alienados e ignorados pelas elites culturais. No
entanto, está em marcha uma retomada do brega. Patrícia Pillar lançou recentemente o
documentário Waldick, Sempre no
meu coração e bandas jovens, como Los Hermanos e Mombojó,
já regravaram canções de artistas considerados cafonas".
Durante os
anos oitenta, com o fim da ditadura, o aparecimento de um novo sentimento de
liberdade e prazer e o esvaziamento das pesquisas em torno do nacionalismo
musical, o rock brasileiro ganhou grande impulso,
nascendo o movimento BRock, onde a "brasilidade" desta produção já
era tomada como garantida, embora em vários aspectos se alinhasse a correntes
internacionais. Neste momento surgem bandas emblemáticas como Blitz, Paralamas do Sucesso, Titãs, Ultraje a
Rigor e Legião Urbana.
Segundo Mauro Ferreira, "os grupos de rock desempenharam, a partir dos
anos 80, o papel revolucionário feito pela estupenda geração revelada nos anos
60". No final da década de 1980, gêneros populares ou regionais como
o sertanejo, o pagode, a música afro e
o axé musicpassavam
a ganhar espaço considerável. Nos anos noventa, o funk carioca e
o hip hop se
popularizava entre jovens do Sudeste brasileiro, enquanto que o brega resistia
e se renovava, mantendo-se popular especialmente no Norte e Nordeste.
Vinícius de Moraes.
Rita Lee.
João Gilberto.
Elis Regina.
Chitãozinho & Xororó.
Tim Maia.
Chico Buarque
Daniela Mercury.
Gilberto Gil.
Luiz Gonzaga
O samba
O samba enquanto gênero
musical surgiu em princípios do século XX no Rio de
Janeiro, porém o termo já era usado desde pelo menos 1830 para
designar manifestações com origem no batuque como a roda de coco.
Recebeu influências do samba de roda,
da modinha,
do maxixe e
do lundu.
No início era um tipo de música identificada com as pessoas dos estratos mais
humildes e tinha seu principal centro no bairro carioca Estácio de Sá, mas logo ele sairia das rodas de
improvisações e criações conjuntas dos morros cariocas e seria alçado à
condição de gênero musical mais "tipicamente" brasileiro. Contribuiu
para isso a primeira gravação de um samba, Pelo Telefone, lançada em 1917, que teve
sucesso nacional.
Cartola.
Clara Nunes.
Em linhas
muito gerais, o samba se caracteriza pela melodia sincopada, a grande ênfase
rítmica e uso importante da percussão. Contudo, enquanto ia dando origem à
bossa nova, o samba carioca recebia influência de muitos outros gêneros
urbanos, como o rock e o funk, em sínteses desenvolvidas por artistas
como Jorge Ben e Dom Salvador.
Neste ínterim, já espalhado para todo o Brasil, alguns grupos absorviam
elementos da música folclórica, dando origem a correntes de caráter tradicional
e regionalista. Hoje a denominação abrange uma grande variedade de linhas
distintas, como samba de roda, o samba-raiado,samba-corrido, samba-chulado, samba de
partido alto, pagode, o samba-rap, samba-rock, samba-reggae e
o samba-enredo das escolas de
samba de carnaval, entre inúmeros, cada qual incorporando
influências diferentes e evoluindo com independência. Durante algum tempo o
samba foi uma das formas de resistência contra a penetração da influências
estrangeiras, mas com a crescente diversificação do gênero, que absorve hoje
muitos elementos internacionais, há grande polêmica a respeito da justeza de
apelidar alguns dos subtipos como verdadeiro samba. Diz Adalberto
Paranhos:
"Denominador
comum da propalada identidade cultural brasileira no segmento da música, o
samba urbano teve que enfrentar um longo e acidentado percurso até deixar de
ser um artefato cultural marginal e receber as honras da sua consagração como
símbolo nacional. Essa história, cujo ponto de partida pode ser recuado até a
virada dos séculos XIX e XX, foi toda ela permeada por idas e vindas, marchas e
contramarchas, descrevendo, dialeticamente uma trajetória que desconhece
qualquer traçado uniforme ou linear".
Em suas
primeiras fases se destacaram músicos como Pixinguinha, Donga, Sinhô, Ismael Silva, Cartola, Nílton Bastos e Candeia,
mais tarde fariam nome Nelson
Cavaquinho, Martinho da
Vila, Paulinho da Viola, Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes,
entre outros.
A música
popular hoje
Com a
crescente abertura do Brasil à cultura globalizada dos anos 90 em diante,
concomitante ao maior conhecimento, valorização e divulgação de suas próprias
raízes históricas, sua música vem mostrando grande originalidade e variedade,
observadas na criativa fusão de influências diversas e na riqueza de gêneros
musicais encontrados hoje em dia, como o samba, a música sertaneja, o rock
brasileiro, o samba-reggae,
o baião, o forró,
a lambada,
a música eletrônica, os regionalistas, entre
tantos outros. Depois de pioneiros como Carmen Miranda, muitos outros nomes
deram à música popular brasileira divulgação internacional, e hoje ela tem
aceitação em muitas partes do mundo, e apesar de fazer uso de uma pluralidade
de referenciais globais, mantém um caráter distintivo que é rapidamente
reconhecido e apreciado no estrangeiro. Diz Martha Tupinambá de Ulhôa:
"São
muitos ritmos, tradicionais e importados, locais e transnacionais. Nessa cena
globalizada onde fica a especificidade da música brasileira? A questão sugere
uma reflexão sobre essa trajetória, com influências e adaptações de música
estrangeira e, também, com a articulação de uma linguagem musical muito
particular. O aspecto rítmico é sem dúvida o elemento mais marcante dessa
discussão. Mas o ritmo é muito mais que uma seqüência de durações organizadas
num motivo, reconhecível aqui e ali. Existem aspectos rítmicos muito sutis na
música popular brasileira, responsáveis por seu molho e sua ginga.
Esse estilo brasileiro de fazer música foi construído num longo processo
histórico de contatos, empréstimos e trocas entre gêneros brasileiros e
estrangeiros. [...] Novos gêneros musicais se formam a partir da ação
deliberada de músicos ao privilegiar determinadas manifestações melódicas,
rítmicas, tímbricas e harmônicas. São práticas musicais, por seu lado fundadas
e fundidas a práticas sociais histórica e geograficamente específicas".
Nota-se uma
substancial predominância das mulheres no campo da interpretação de canções:
desde as divas da era do rádio até os dias atuais as mulheres são maioria. Em
2006 mais de 100 discos de intérpretes femininas foram lançadas. No mesmo
período, foram lançados apenas 34 discos de intérpretes masculinos.
A música popular tradicional ou folclórica
Rugendas:
Uma congada no século XIX.
Inserida
dentro da música popular brasileira está a chamada música tradicional ou folclórica,
um sub-gênero que é constituído por expressões musicais transmitidas de geração
em geração em zonas onde os modernos meios de comunicação e o mercado de
consumo ainda não exercem decisivamente sua influência diluidora. Contudo, a
definição do que seja a música "folclórica" é difícil, pois a música
popular em geral muitas vezes guarda importantes traços do que usualmente se
considera tipicamente folclórico, tais como a espontaneidade e a aceitação
coletiva.
Porém, ela
se distingue pela virtual ausência de interesse comercial na produção; muitas
vezes tem autoria anônima ou coletiva; está essencialmente vinculada à oralidade,
numa transmissão tradicional através das gerações; pode dar bastante espaço
para o improviso e a variação; pode fazer uso de estruturas e harmonias
incomuns em outras produções populares, como as formas da ladainha e
do repente,
ou o uso dos modos medievais, e está na maior parte das
vezes ligada a cerimônias ou festividades tradicionais, bem como a lendas e mitos característicos
de cada região, tendo fortes características funcionais, havendo, por exemplo,
canções de trabalho, canções de brincar e ninar, e cânticos devocionais, entre
outras. Pode ainda preservar influências arcaicas, onde são detectáveis
traços medievais europeus ou indígenas e negros muito antigos, ou de elementos
étnicos específicos quando pertencem a regiões de imigração de populações de
fora do Brasil, como ocorre no Rio Grande do
Sul, que recebeu grandes levas de italianos, açorianos e alemães.
Dentre as
mais típicas estão as congadas, da região centro-nordeste do país, os ternos-de-reis,
associados a ritos religiosos católicos,
o repentismo,
gênero de desafio musical em improviso, de larga difusão em todo o Brasil com
estilos diversos, as cirandas, as cantigas de
roda, que fazem parte do universo infantil, catira, cururu, toada, fandango, jongo (caxambu), samba de roda, coco, bambelô, embolada, milonga,
pajada, rancheira, bugio, carimbó,
entre muitos outros gêneros que constituem um riquíssimo acervo musical que tem
inspirado compositores do porte de Villa-Lobos.
A partir do
final da década de 60 um trabalho de resgate da música popular brasileira de
raiz foi feito pelo pesquisador Marcus
Pereiraque através de sua gravadora 'Discos Marcus Pereira' levantou o que
ficou conhecido como o 'Mapa musical do Brasil' indo da música da cidade até as
regiões mais remotas do interior do país, tendo como destaque uma série de 16
álbuns de música folclórica de cada região do Brasil, podendo ser classificado
como um documento da música popular brasileira com dimensões antropológicas e
sociológicas.
·
Cantico
Salutaris - Festa do Divino de Pirenópolis -
Orquestra e Coral Nossa Senhora do Rosário, Pirenópolis
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Música indígena
Índios no
Kuarup.
Dentro da
classe de músicas tradicionais podem ser incluídas as ainda praticadas pelos
remanescentes das tribos de índios que outrora povoavam todo o território
nacional e hoje vivem confinados em reservas especialmente na região amazônica e do centro-oeste, onde o contato com o
colonizador foi menos profundo e transformador. Alguns grupos tiveram uma
expressiva participação na música do Brasil especialmente no âmbito das Reduções Jesuítas durante
os séculos XVII e XVIII, adquirindo grande proficiência na interpretação da
arte musical de tradição européia, mas em geral os índios evitaram o contato
mais profundo com o branco, esquivando-se quando possível da aculturação, e
logo se retiraram para regiões mais remotas. Assim, seu papel na vida musical
nacional diminuiu até quase desaparecer, permanecendo sua música como um
universo à parte das correntes gerais que floresceram no país.[60][61]
Mencionada
desde os primeiros tempos coloniais, sua música própria, ou o que dela restou,
só passaria a receber mais atenção acadêmica e oficial a partir do trabalho de
pesquisa de Mário de Andrade e Villa Lobos no
século XX. Nas reservas onde ainda vivem seus descendentes alguns ritos
religiosos e festejos sociais de longa tradição ainda são encontrados de forma
mais ou menos autêntica, como as cerimônias do Kuarup,
do Ouricuri e
do Umbu,
onde a música e a dança desempenham um papel de grande relevo.
Onde a
música indígena encontrou o elemento negro fusões resultaram em uma forma de
cultura específica denominada cabocla,
com manifestações híbridas típicas como o candomblé de
caboclo, o maracatu de caboclo e outras.
A música
indígena tinha (e ainda tem) um caráter sobrenatural, sendo ligada desde suas
origens imemoriais a mitos fundadores e usada com finalidades de socialização,
celebração, culto,
ligação com os ancestrais e exorcismo, magia ou cura.
Segundo certas lendas a música foi um presente dos deuses, entristecidos com o
silêncio que imperava no mundo dos humanos. Na maioria dos casos a música é
associada à dança e é uma atividade coletiva.
A voz e o
canto são dominantes na música indígena, mas existe um muito variado
instrumental de apoio, com instrumentos de percussão, sopro e zunidores, mas
classificações próprias dos índios fazem distinções diferentes, com dezenas de
categorias para "coisas de fazer música". Os instrumentos podem ser
feitos de uma variedade de materiais, como sementes, madeiras, fibras, pedras,
objetos cerâmicos, ovos, ossos, chifres e cascos de animais. Não seguindo
o sistema tonal ocidental, a sua sonoridade
apresenta uma enorme sutileza e complexidade especialmente nos timbres e
nas alturas. O ritmo também é
extensamente trabalhado. Contudo, não existe desenvolvimento de polifonia ou harmonia reais (num sentido ocidental),
sendo de uma espécie monódica ou no máximo heterofônica,
com alguns exemplos de composição antifonal.
Não existe notação, e o acervo de composições antigas é
transmitido pela prática continuada entre as gerações. A criação de novas
músicas é geralmente adstrita aos pajés,
que as intuem em seus transes onde estabelecem contato com deuses e ancestrais,
ou surgem nos sonhos dos guerreiros mais distinguidos da tribo.
Também há
rigorosas prescrições para uso de determinadas melodias e para quem será o
intérprete, e para quando serão executadas. Há músicas e instrumentos
exclusivos dos homens, outros só de mulheres, ou melodias cantadas apenas em um
certo rito ou com uma função específica. Em algumas tribos as mulheres não
podem sequer ver certos
instrumentos (embora devam ouvir sua
música), como as flautas produzidas com madeira de certas árvores sagradas como
a paxiúba e embaúba, consideradas como sendo o corpo
místico de seus heróis.
A
interpretação musical está usualmente cercada de rituais propiciatórios ou
facilitadores, como a pintura de uma linha sobre o ouvido e lábio para
facilitar o aprendizado de canções, colocar um ramo de enodoréu à orelha para não esquecer a
melodia, e uma série de outras praxes.
Críticas
Debatendo
com músicos, produtores, críticos culturais e pesquisadores que discutiam em
sua página no Facebook em
março de 2015, o crítico e jornalista Juarez Fonseca do Zero Hora disse
que a música do sertanejo universitário é "muito ruim": "Sempre
tivemos música boa e música ruim no Brasil, mas havia um equilíbrio. De uns
tempos para cá, pelo menos 90% do que as gravadoras lançam é totalmente
descartável".
Escrevendo
para o Yahoo!, Regis Tadeu criticou
a qualidade da música brasileira em abril de 2015: "É possível citar uma
única canção que não tenha uma letra meramente ginasial?" Em outra crítica
publicada em agosto de 2015, analisando o pagode, sertanejo e o forró
eletrônico, Tadeu disse que os gêneros são "tsunami de lixo musical
inédito na história da música brasileira".Em agosto de 2016, Nando Cordel também
publicou uma crítica negativa: "Nós compositores estamos fazendo um
trabalho muito triste atualmente na música popular brasileira. Uma música que
está em um nível baixíssimo. Cheia de pornografia,
cheia de convites para cair na gandaia. É uma música que está profundamente na
lama, na lama podre (...) Essa música está atrofiando a mente das pessoas.
Mexendo com as crianças e jovens. Na realidade, a música pode mudar a vida das
pessoas completamente (...) A música veio para fazer o bem e embelezar as
almas, e não para alienação total, como está acontecendo agora. A gente precisa
acordar e não deixar essa música dissolver a ética e a moral. (...) nós
precisamos refletir e oferecer uma música de qualidade, que eleva, que pode
fazer você feliz. Pense numa música de paz e faça uma música melhor." Flávio
Ricco, escrevendo para O Dia em
outubro de 2016, destacou a "decadência da música popular
brasileira", dizendo que "quase nada de importante se tem como
registro depois de Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, Capital
Inicial, Marisa Monte, Tribalistas".
O
produtor Rick Bonadio, publicou um post em sua rede social em
janeiro de 2017, destacando: "Todos nós sabemos que vivemos o pior momento
em termos de qualidade na música brasileira. Criticar e reclamar não vai nos
trazer de volta belas canções com letras criativas e poéticas então vamos
trabalhar por isso. Mais ainda, vamos lutar por isso, já que amamos a
música." Bonadio criticou "os sucessos" das músicas produzidas a
partir das "baladas", chamando de "pobres e
fúteis. (...) Precisamos oferecer músicas boas. Artistas novos com força e
personalidade."
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